domingo, 16 de janeiro de 2011

fala que eu te escuto

Durante minha estadia de quase um mês e meio no Yoga Niketan Ashram em Rishikesh ano passado, devo ter lido uns três ou quatro livros. Um deles escrito pelo Swami Satyananda Saraswati, sobre Kundalini Yoga.

Livro bem gostoso de ler, daqueles que você vai devagar pra não acabar muito rápido. Você quer degustar. Esse em especial, por se tratar de Kundalini, era cheio de exercícios purificadores e energizantes. Para cada chakra uma prática relacionada ao seu aspecto sutil.

Um desses exercícios, para o vishuddha, que fica na região da garganta, era curiosamente mais relacionado à nossa capacidade de ouvir que a de propriamente falar. Quantos de nós sabe realmente ouvir?

...

E justamente lá, no ambiente do Ashram, onde se vive em contemplação, ao menos durante as práticas de Yoga e meditação, e também no refeitório, o silêncio era digamos assim pouco apreciado. Muitas vezes o cozinheiro chefe vinha bater colher numa panela para pedir silêncio, pois o nível de ruído era tão alto que não bastava gritar.

Me irritei muitas vezes com isso e comecei a me isolar um pouco, sentando afastada das pessoas para que elas não puxassem papo comigo. Estava ali para pensar na vida, ficar quieta, silenciar aquela agitação mental toda. Em realidade, estava ali para tentar entender o que aquele ruído interno queria dizer.

Devo ter passado uma impressão antisocial e antipática.

Mas parei de me importar com isso pois era visivelmente óbvio que muitas vezes, considerando-se o conteúdo dos diálogos, as pessoas falavam tanto porque também se sentiam desconfortáveis com seus próprios pensamentos. Seus próprios ruídos. Então falavam qualquer coisa, para qualquer um.

E foi durante esse período de tentativa de aquietamento mental que percebi também o óbvio! que não sabia ouvir: a informação entrava por um ouvido e saía pelo outro. Pois se não queria falar a única coisa que me restava a fazer, era aceitar o que o outro estava expondo. E muitas vezes quando voltava para o quarto, tentava lembrar do que a pessoa tinha me contado e não conseguia lembrar.

Estava tão preocupada com minha própria quietude mental que não registrava nada do que falavam! E isso começou a incomodar, pois gerava mais desconforto ainda.

Foi aí que a ficha caiu. Não queria falar, estava ali por um motivo. Mas não podia forçar as outras pessoas a fazer o mesmo. Passei a ouvi-las mais e penso que isso aos poucos foi gerando um outro entendimento sobre a calma.

A partir daí notei que de alguma forma muito particular, a capacidade de ouvir está intimamente relacionada a natureza daquilo que você fala e como fala. É como se você filtrasse seu próprio discurso ouvindo o que as pessoas tem a dizer.

Com a nítida percepção de que poucos de nós estamos disponíveis para ouvir uns aos outros, senti menos vontade ainda de falar desnecessariamente e passei a me interessar mais pelo que me contavam. Uma coisa alimentando a outra, acho. Ainda bem que indisponibilidade não significa necessariamente incapacidade.

...

Foi um exercício muito interessante esse. E libertador. O problema é que agora consigo sacar quando alguém realmente está me ouvindo ou não.

3 comentários:

  1. lê lá meu último post!
    http://sentidodesordem.blogspot.com/2011/01/familia-melancolia.html
    verás que ando pensando nisso também...

    te lendo percebi ainda mais que quando não falo é porque não quero ouvir os outros mas, ironicamente, quando me forço a ouvir os outros, acabo me ouvindo também.

    a vida é um redemoinho.

    bjs

    ps: vontade de responder cada post, ando gostando de tudo aqui =)

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  2. hey hey, eu também vou interferir, já que estou mesmo pra escrever pras duas e com 15 minutos de repouso! ;)

    kundera, meu favorito, tem uma passagem genial no "livre du rire et de l'oubli". vai uma tradução livre e rápida, mais ou menos longa.

    "você sabe o que acontece quando duas pessoas conversam: uma fala e outra corta sua palavra: 'é exatamente como eu, eu...' e começa a falar dela até que a primeira consiga enfiar por sua vez: 'é exatamente como eu, eu...'
    essa frase, 'é exatamente como eu, eu...' parece ser um eco aprovador, uma maneira de continuar a reflexão do outro, mas é um engano: na realidade é uma revolta brutal contra uma violência brutal, um esforço para liberar nossa própria orelha da escravidão e ocupar à força a orelha do adversário. porque toda a vida do homem em meio a seus pares não é nada além de um combate para se apropriar da orelha alheia."

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  3. exatamente como eu quis dizer :~

    meninas, saudades de vcs!
    bjs

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enfim ...