... te dissessem para nao confiar em ninguem? Passaria teus dias fechado, desacreditando no afeto e na amabilidade das pessoas que cruzam teu caminho?
Esses dois dias que passei em Jaipur foram muito quentes e loucos. Andei pela cidade apenas de rickshaw, onde conheci duas figuras impares: Tiger e Ali. Foi uma pena nao poder ter tirado fotografias deles para postar aqui. Eles sao muslims e devido a uma data importante nao podem ser fotografados ate o final da tarde de amanha.
Me mostraram a cidade rosada como ninguem e foram muito prestativos, tudo dentro do limite agridoce malicioso suave dos indianos.
Agora no final da tarde fui a um shopping center aqui perto do hotel e fiz uma refeicao. Decidi subir dois andares para ver as lojas e tentar achar uma camiseta, ja que so tenho uma e esta muito suja. Foi quando encontrei Lucky, que me levou a sua loja de roupas. Me mostrou algumas pecas em seda mas estava procurando algo mais simples como algodao puro. Mais facil de lavar tambem.
Conversamos um pouco e Ravi, seu primo, pediu para ver minha mao. Disse que tenho bastante energia, sou corajosa e que posso ler o rosto das pessoas. Me desejou boa viagem e disse que se alguem me encher a paciencia no caminho, poderia me defender lutando Kung Fu. Fiquei embasbacada e fui embora.
Amanha no comeco da tarde pego o trem em direcao a Varanasi, a cidade da Luz. Mais de 12 horas ate la.
Diz-se que e a cidade mais sagrada da India, a cidade de Shiva. Um dos 12 lugares que o deus se refugiou, e depois, irrompeu para o ceu em um flamejante pilar de luz. A cidade dos Ghats, dos Sadhus e das piras funerarias.
Om Namah Sivaya!
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Jantar Mantar - Jaipur
Observatorio construido por Sawai Jai Singh entre 1728 e 1734 e o maior e mais bem conservado dentre os cinco espalhados pela India. Um lugar sui generis, cheio de instrumentos para observacao astronomica e mais parece um parque de esculturas futuristas.
O Rashivalaya Yantra (imagem) e um complexo de 12 pecas que representam os signos do zodiaco. Estao voltados para as diferentes constelacoes e sao usados por astrologos na criacao de mapas.
Taj Mahal - Agra
Construido pelo imperador mogul Shah Jahan em memoria de sua esposa favorita, Mumtaz Mahal morta em 1631. Levou 12 anos para ser contruido, 20 mil operarios foram necessarios para ergue-lo. Custou aproximadamente 41 milhoes de rupias e 500 kg de ouro. Do lado de fora paineis caligraficos com versos do Corao estao desenhados e aumentam verticalmente dando a impressao de uniformidade. E estritamente proibido fotografar do lado de dentro, na camara mortuaria, embora muitas pessoas nao resistam. Ha tambem belissimos desenhos florais marchetados com pedras preciosas em meio ao frio marmore branco.
O ingresso custa 750 rupias, o equivalente a R$ 32.
Maravilha de amor hein?!
terça-feira, 28 de abril de 2009
slow drive long life
Me mudei para o hotel das meninas no domingo, tomamos cafe e fomos ao Museu Nacional de Arte Moderna. Riquissimo acervo de artistas indianos do seculo 18 ao 21 - gostei especialmente dos trabalhos de dois artistas. Mas falarei deles depois pois estou sem meu caderninho de anotacoes.
Paula voltou pra Seattle no mesmo dia a noite e ficamos Jenny e eu em Delhi. Embarcamos em uma excursao para Agra, de onibus para visitar o Taj Mahal. Passada a histeria inicial de estranhar tudo e ficar chocada com as diferencas culturais, comecei a gostar bastante e entrar no clima. Nao vejo sentido em viajar e colocar defeito em tudo. Acho triste a ideia de querer que o lugar se adapte a voce e nao o contrario.
O complexo do Taj Mahal e um lugar muito lindo cercado por entradas nas quatro direcoes. Foi uma pena ter ficado apenas meia hora e ter caminhado sob um sol de 43 graus. Na volta passamos por Brindavan onde se cre que Sri Krishna viveu como vaqueiro. Fomos ao templo e esse sem duvida foi o momento mais emocionante ate agora. Bem na hora que estava tirando os sapatos, ouvi os sinos do arati que comecava la dentro. Sai correndo e entrei no templo onde muitas pessoas se aglomeravam para assistir ao ritual.
Nao da pra explicar a felicidade de ter assistido a esse arati e a energia que recebi ao final. Senti uma injecao de coragem e decidi seguir em frente na viagem, simplesmente me entregar.
Jenny trocou sua passagem para hoje de noite e nao embarcou comigo para Jaipur, no Rajastao, onde estou agora. Nos iriamos juntas para Varanasi antes dela voltar para Vancouver, mas como nao estava se sentindo bem achou melhor ir embora.
Depois daquela crise de choro que tive no primeiro dia as coisas estao se equilibrando aos poucos. Nao me importo com o cheiro de bosta de vaca, de lixo queimando de noite, de maconha, das pessoas curiosas que perguntam sobre voce na rua. Dos que tentam vender as coisas ou ate mesmo aqueles que tentam te enganar. Ha tambem pessoas de boa fe que apenas querem saber de voce, te mostrar coisas novas e te ajudar. Nao sinto pena por serem humildes ou diferentes. Sao pessoas vivendo suas vidas, trabalhando e toda esse contraste nao me incomoda. Muito pelo contrario estou adorando ver tudo isso e aprender a cada situacao que se apresenta.
Estou sozinha em um hotel muito charmoso e barato perto do centro da cidade. Amanha visitarei o Ambar Fort e creio que pegarei um trem para Varanasi depois de amanha.
As coisas comecam a clarear em minha mente. Estou feliz. :)
Paula voltou pra Seattle no mesmo dia a noite e ficamos Jenny e eu em Delhi. Embarcamos em uma excursao para Agra, de onibus para visitar o Taj Mahal. Passada a histeria inicial de estranhar tudo e ficar chocada com as diferencas culturais, comecei a gostar bastante e entrar no clima. Nao vejo sentido em viajar e colocar defeito em tudo. Acho triste a ideia de querer que o lugar se adapte a voce e nao o contrario.
O complexo do Taj Mahal e um lugar muito lindo cercado por entradas nas quatro direcoes. Foi uma pena ter ficado apenas meia hora e ter caminhado sob um sol de 43 graus. Na volta passamos por Brindavan onde se cre que Sri Krishna viveu como vaqueiro. Fomos ao templo e esse sem duvida foi o momento mais emocionante ate agora. Bem na hora que estava tirando os sapatos, ouvi os sinos do arati que comecava la dentro. Sai correndo e entrei no templo onde muitas pessoas se aglomeravam para assistir ao ritual.
Nao da pra explicar a felicidade de ter assistido a esse arati e a energia que recebi ao final. Senti uma injecao de coragem e decidi seguir em frente na viagem, simplesmente me entregar.
Jenny trocou sua passagem para hoje de noite e nao embarcou comigo para Jaipur, no Rajastao, onde estou agora. Nos iriamos juntas para Varanasi antes dela voltar para Vancouver, mas como nao estava se sentindo bem achou melhor ir embora.
Depois daquela crise de choro que tive no primeiro dia as coisas estao se equilibrando aos poucos. Nao me importo com o cheiro de bosta de vaca, de lixo queimando de noite, de maconha, das pessoas curiosas que perguntam sobre voce na rua. Dos que tentam vender as coisas ou ate mesmo aqueles que tentam te enganar. Ha tambem pessoas de boa fe que apenas querem saber de voce, te mostrar coisas novas e te ajudar. Nao sinto pena por serem humildes ou diferentes. Sao pessoas vivendo suas vidas, trabalhando e toda esse contraste nao me incomoda. Muito pelo contrario estou adorando ver tudo isso e aprender a cada situacao que se apresenta.
Estou sozinha em um hotel muito charmoso e barato perto do centro da cidade. Amanha visitarei o Ambar Fort e creio que pegarei um trem para Varanasi depois de amanha.
As coisas comecam a clarear em minha mente. Estou feliz. :)
domingo, 26 de abril de 2009
Delhi 40 graus
Ainda estou em estado de suspensao. Ontem depois de sair do escritorio de turismo, senti a pressao psicologica de tentar ser influenciada por alguem, no caso, Jonah o charmoso agente de viagens. Disse para ele que gostaria de fazer um certo roteiro e ele tracou outro, fez orcamentos e tentou me convencer de que aquilo era o melhor a se fazer.
Depois disso caiu a ficha: estou na India e isso aqui nao e pra qualquer um nao. Comecei a chorar convulsivamente. Na verdade isso iria acontecer a qualquer momento, nao tinha acontecido em Paris nem em Helsinki. Aconteceu aqui.
Antes mesmo que pudesse abrir meus olhos, apareceram do nada as duas garotas canadenses que prontamente me acolheram. Foram muito amaveis e me levaram dali. Paula esta no pais ha um mes e vai embora hoje. Jenny ficara ate o dia 9, depois volta para Vancouver.
Acho que vamos viajar para o Rajastao e depois para a sagrada cidade de Varanasi. Quero passar a proxima lua cheia em Bodh Gaya ou Sarnath, lugares onde Siddharta Gautama esteve quando alcancou a iluminacao e fez seu primeiro discurso, respectivamente.
Mas ate la preciso me acostumar ao calor escaldante que faz aqui, as oito horas e meia a mais e ao meu nariz que nao para se sangrar.
Talvez hoje passe no Museu Nacional.
Namaskar!
Depois disso caiu a ficha: estou na India e isso aqui nao e pra qualquer um nao. Comecei a chorar convulsivamente. Na verdade isso iria acontecer a qualquer momento, nao tinha acontecido em Paris nem em Helsinki. Aconteceu aqui.
Antes mesmo que pudesse abrir meus olhos, apareceram do nada as duas garotas canadenses que prontamente me acolheram. Foram muito amaveis e me levaram dali. Paula esta no pais ha um mes e vai embora hoje. Jenny ficara ate o dia 9, depois volta para Vancouver.
Acho que vamos viajar para o Rajastao e depois para a sagrada cidade de Varanasi. Quero passar a proxima lua cheia em Bodh Gaya ou Sarnath, lugares onde Siddharta Gautama esteve quando alcancou a iluminacao e fez seu primeiro discurso, respectivamente.
Mas ate la preciso me acostumar ao calor escaldante que faz aqui, as oito horas e meia a mais e ao meu nariz que nao para se sangrar.
Talvez hoje passe no Museu Nacional.
Namaskar!
enfim India
Seria pouco verdadeiro dizer que conheci Paris ou Helsinki. De Paris pude sentir apenas um gostinho, a cidade merece no minimo duas semanas de hospedagem. Mas posso afirmar com certeza que gostei muito do que vi e realmente sai de la apaixonada. Ate com o mau humor das pessoas, algumas foram extremamente legais, mas a grande maioria sem muita paciencia.
Talvez na volta fique mais uns dias, tudo vai depender de quanto dinheiro terei daqui a dois meses porque tudo e caro. Muitos museus, cafes, monumentos, pracas, artistas de rua. E rever a Debbee foi uma grande alegria, como gosto dela!
Helsinki entao nem se fala, acho que nem o gostinho deu pra sentir. Como meu voo foi de noite passei do meio dia as 4 da tarde no centro da cidade. Estava fazendo uns 9 ou 10 graus e um belo sol. Aproveitei para andar na marina, mandar cartoes postais e dar uma conferida em um museu sobre a cidade. Tudo la e muito subterraneo e em cada esquina voce encontra uma barraca de sorvete. (alo juju!!!)
Os finlandeses sao gentis e educados, pelo menos os que cruzaram meu caminho. Assim tambem como os dois banqueiros suecos que viajaram ao meu lado no aviao. Nunca tinha visto uma pessoa conseguir beber vinho, cerveja e cafe com leite ao mesmo tempo e nao passar mal.
Cheguei aqui as 4 da manha e vim direto para o hotel no centro de Delhi. Dormi ate umas 4 da tarde e logo fui ver bilhetes de trem. Foi quando encontrei dois anjos na rua: Paula e Jenny.
Talvez na volta fique mais uns dias, tudo vai depender de quanto dinheiro terei daqui a dois meses porque tudo e caro. Muitos museus, cafes, monumentos, pracas, artistas de rua. E rever a Debbee foi uma grande alegria, como gosto dela!
Helsinki entao nem se fala, acho que nem o gostinho deu pra sentir. Como meu voo foi de noite passei do meio dia as 4 da tarde no centro da cidade. Estava fazendo uns 9 ou 10 graus e um belo sol. Aproveitei para andar na marina, mandar cartoes postais e dar uma conferida em um museu sobre a cidade. Tudo la e muito subterraneo e em cada esquina voce encontra uma barraca de sorvete. (alo juju!!!)
Os finlandeses sao gentis e educados, pelo menos os que cruzaram meu caminho. Assim tambem como os dois banqueiros suecos que viajaram ao meu lado no aviao. Nunca tinha visto uma pessoa conseguir beber vinho, cerveja e cafe com leite ao mesmo tempo e nao passar mal.
Cheguei aqui as 4 da manha e vim direto para o hotel no centro de Delhi. Dormi ate umas 4 da tarde e logo fui ver bilhetes de trem. Foi quando encontrei dois anjos na rua: Paula e Jenny.
quinta-feira, 23 de abril de 2009
boulevard sístole-diástole
Depois de me acomodar na larga poltrona, eis que surge todo vestido de preto o jovem monge. Educadamente diz boa noite e se senta ao meu lado. Durante a noite comi, joguei paciência com o controle remoto e dormi. Devo ter dormido umas sete horas. Quando acordei, minha boca estava tão seca que ao responder a loira mulher, meus lábios descolaram violentamente e a pele rachou sangrando. Dali em diante, escutei até o momento do pouso, histórias do monastério carmelita de Fortaleza - de casos engraçados, milagres a confissões oblíquas de vaidade.
Ao final das escadas da estação Raspail a encontrei sorrindo, logo começamos a caminhar e conversar sobre tudo ao mesmo tempo. Deixamos as coisas em casa e fomos jantar no bairro muçulmano-indiano. A cidade me parece extremamente agradável - História por todos os lados. Usando apenas mapa, bússola e humor ando pelas ruas. Tenho a sensação de me apaixonar perdidamente a cada cinco minutos e morrer de amor todo final de tarde. Para no dia seguinte despertar e me perder novamente.
Ao final das escadas da estação Raspail a encontrei sorrindo, logo começamos a caminhar e conversar sobre tudo ao mesmo tempo. Deixamos as coisas em casa e fomos jantar no bairro muçulmano-indiano. A cidade me parece extremamente agradável - História por todos os lados. Usando apenas mapa, bússola e humor ando pelas ruas. Tenho a sensação de me apaixonar perdidamente a cada cinco minutos e morrer de amor todo final de tarde. Para no dia seguinte despertar e me perder novamente.
sábado, 18 de abril de 2009
Fogo de Santelmo
Não lembro qual foi a última vez que voei com meu pai, com certeza já faz mais de dez anos que isso aconteceu ou bem mais. Era sempre uma diversão estar em um vôo comandado por ele, as comissárias eram demasiado simpáticas e podíamos passar algum tempo na cabine - na maioria das vezes era a viagem inteira.
Apesar de ter a maior parte das lembranças de infância mesclada e borrada, um episódio desses ficou intacto em minha memória: o do Fogo de Santelmo. Devia ter uns dez ou onze anos, era um vôo de longa distância - talvez para o exterior. Era tarde da noite quando meu pai, o co-piloto e eu estávamos na cabine e começou uma forte tempestade - não lembro se tinha mais alguém junto. Passou um tempo até que o avião começou a balançar. Depois de alguns raios e trovões, ele (meu pai) me chamou para perto do parabrisa e esticou o braço esquerdo, grudando o punho fechado no vidro com o cotovelo apontado para baixo. Seguiu-se um forte clarão e uma luz azul-esverdeada atravessou o painel subindo por seu braço, fazendo-o parecer um para-raio sobrenatural.
Sempre guardei essa recordação com muito carinho. Cheguei a dividir o causo algumas vezes, extasiada, com amigos próximos - acho que foi uma das coisas mais íncríveis que já vi na vida. Ainda mais porque era criança e aquilo tudo parecia muito mágico. Ainda é na verdade, mas hoje sei que se trata de um fenômeno meteorológico, causado por uma descarga muito forte que ioniza o ar em um campo elétrico, e produz uma forte luz - o plasma luminoso. Tem a questão da diferença atmosférica, formato do campo envolvido na situação (curvaturas), a alta voltagem no ar entre as nuvens e o solo - e o ápice da experiência, o gran finale: quando a descarga rompe as moléculas de ar e faz o gás brilhar. CABRUM!
Mas é na arte e na mitologia que encontramos as leituras mais deleitosas.
A aparição de somente um fogo, na Grécia antiga, era chamada de Helena. Caso viessem dois, eram chamados de Castor e Pólux, os irmãos gêmeos que passavam metade do ano do plano infernal e a outra metade no Olimpo. Já foi assunto de Shakespeare, Herman Melville e Camões, que escreve no Canto V de Os Lusíadas:
15 «Assi, passando aquelas regiões
Por onde duas vezes passa Apolo,
Dous Invernos fazendo e dous Verões,
Enquanto corre dum ao outro Pólo,
Por calmas, por tormentas e opressões,
Que sempre faz no mar o irado Eolo,
Vimos as Ursas, a pesar de Juno,
Banharem-se nas águas de Neptuno.
16 «Contar-te longamente as perigosas
Cousas do mar, que os homens não entendem,
Súbitas trovoadas temerosas,
Relâmpados que o ar em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho que grande erro,
Ainda que tivesse a voz de ferro.
17 «Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pola aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Vêm do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos.
18 «Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo,
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa, certo, de alto espanto,
Ver as nuvens, do mar com largo cano,
Sorver as altas águas do Oceano.
...
Dia 20 agora embarco para Paris, onde vou ficar três dias antes de seguir para o subcontinente indiano. Por sorte ou conspiração dos astros, a reserva que tinha na Air France caiu e meu pai foi escalado de última hora para voar. Ele fará o vôo da TAM do mesmo dia 20 para a capital francesa.
Será um início de viagem mais que especial.
Apesar de ter a maior parte das lembranças de infância mesclada e borrada, um episódio desses ficou intacto em minha memória: o do Fogo de Santelmo. Devia ter uns dez ou onze anos, era um vôo de longa distância - talvez para o exterior. Era tarde da noite quando meu pai, o co-piloto e eu estávamos na cabine e começou uma forte tempestade - não lembro se tinha mais alguém junto. Passou um tempo até que o avião começou a balançar. Depois de alguns raios e trovões, ele (meu pai) me chamou para perto do parabrisa e esticou o braço esquerdo, grudando o punho fechado no vidro com o cotovelo apontado para baixo. Seguiu-se um forte clarão e uma luz azul-esverdeada atravessou o painel subindo por seu braço, fazendo-o parecer um para-raio sobrenatural.
Sempre guardei essa recordação com muito carinho. Cheguei a dividir o causo algumas vezes, extasiada, com amigos próximos - acho que foi uma das coisas mais íncríveis que já vi na vida. Ainda mais porque era criança e aquilo tudo parecia muito mágico. Ainda é na verdade, mas hoje sei que se trata de um fenômeno meteorológico, causado por uma descarga muito forte que ioniza o ar em um campo elétrico, e produz uma forte luz - o plasma luminoso. Tem a questão da diferença atmosférica, formato do campo envolvido na situação (curvaturas), a alta voltagem no ar entre as nuvens e o solo - e o ápice da experiência, o gran finale: quando a descarga rompe as moléculas de ar e faz o gás brilhar. CABRUM!
Mas é na arte e na mitologia que encontramos as leituras mais deleitosas.
A aparição de somente um fogo, na Grécia antiga, era chamada de Helena. Caso viessem dois, eram chamados de Castor e Pólux, os irmãos gêmeos que passavam metade do ano do plano infernal e a outra metade no Olimpo. Já foi assunto de Shakespeare, Herman Melville e Camões, que escreve no Canto V de Os Lusíadas:
15 «Assi, passando aquelas regiões
Por onde duas vezes passa Apolo,
Dous Invernos fazendo e dous Verões,
Enquanto corre dum ao outro Pólo,
Por calmas, por tormentas e opressões,
Que sempre faz no mar o irado Eolo,
Vimos as Ursas, a pesar de Juno,
Banharem-se nas águas de Neptuno.
16 «Contar-te longamente as perigosas
Cousas do mar, que os homens não entendem,
Súbitas trovoadas temerosas,
Relâmpados que o ar em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho que grande erro,
Ainda que tivesse a voz de ferro.
17 «Os casos vi, que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pola aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Vêm do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos.
18 «Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo,
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa, certo, de alto espanto,
Ver as nuvens, do mar com largo cano,
Sorver as altas águas do Oceano.
...
Dia 20 agora embarco para Paris, onde vou ficar três dias antes de seguir para o subcontinente indiano. Por sorte ou conspiração dos astros, a reserva que tinha na Air France caiu e meu pai foi escalado de última hora para voar. Ele fará o vôo da TAM do mesmo dia 20 para a capital francesa.
Será um início de viagem mais que especial.
terça-feira, 14 de abril de 2009
phrasebooks
Ontem fui à Livraria Cultura do Conjunto Nacional e comprei dois livretos que vão me ajudar muito. O primeiro deles é um guia de conversação para viagens da PubliFolha, em francês. Apesar de ter estudado a língua durante um tempo em Porto Alegre, naquela época meus interesses eram basicamente outros. Sabe como é ... aquela efervescência hormonal da universidade.
Bastante compacto e bem diagramado, vem dividido por situações e reúne boa quantidade de dicas sobre serviços, hotéis, restaurantes, etiqueta. Traz tabelas de conversão, frases essenciais e ao final, um mini glossário. Ótimo, pois assim quando Debbee não estiver comigo posso tentar desenferrujar o músculo mais forte que temos no corpo (isso mesmo, a língua) e pedir as coisas fazendo biquinho, oui.
O segundo, que será muito útil durante a epopéia, é um phrasebook da lonely planet em hindi, urdu & bengali. Hein?! Bem, como vou passar dois meses viajando pela India nada mais natural que saber algumas coisas básicas no idioma local. Claro que seria bem mais simples se o país não tivesse 18 línguas regionais principais, porém o hindi é falado por cerca de 30% das pessoas e pode ser compreendido em todo o território nacional enquanto o urdu é mais compreendido na região do Rajastão, ao norte.
Hindi e urdu são basicamente a mesma língua falada mas duas escritas distintas, ou seja, duas pessoas podem ir às compras e ao cinema juntas mas vão escrever cartas diferetes. Ambas são derivadas do sânscrito e suas maiores discrepâncias se dão no âmbito acadêmico e filosófico. Isso porque a maior parte do vocabulário usado nesse campo em hindi vem diretamente do sânscrito clássico e do urdo vem dos ancestrais sistemas de escrita arábico e persa.
Já o Bengali, que provavalmente não escutarei muito, é a língua oficial de Bangladesh e dos estados indianos de Tripura e Bengala Ocidental. É falado também pelas grandes comunidades indianas que vivem espalhados pela América do Norte, partes da Europa e Oriente Médio. Suas origens remontam ao Magadhi Prakrit, a língua oficial durante o reinado do grande imperador Asoka - entre 272 e 231 A.C.
Este exótico guia de conversação tem a divisão principal entre hindi/urdu e bengali e outras subdivisões que começam por uma introdução à gramática de cada língua, passando por pronúncia e frases básicas para rápida comunicação. À medida que você avança no guia, explora diferentes situações de viagem como acomodação, refeição, transporte, compras e algumas mais. Uma dessas situações que achei bem, digamos assim, peculiar, é a de viajantes mulheres. Pelo que entendi, a pessoa, no caso a garota, deve se vestir adequadamente - aqui leia-se cobrir ombros, tornozelos e em alguns casos a cabeça também - não retribuir olhares de homens e nem se engajar em debates que podem evoluir para um flerte ou outro diálogo mais íntimo. Caso retribua olhares ou tentativas de conversa, o homem pode intrerpretar isso como um sinal verde para novos tipos de interação.
Em todo caso, é bom saber onde parar e chamar a polícia em hindi: mayng pu*lis ko bu*laa*oong?!?
Bastante compacto e bem diagramado, vem dividido por situações e reúne boa quantidade de dicas sobre serviços, hotéis, restaurantes, etiqueta. Traz tabelas de conversão, frases essenciais e ao final, um mini glossário. Ótimo, pois assim quando Debbee não estiver comigo posso tentar desenferrujar o músculo mais forte que temos no corpo (isso mesmo, a língua) e pedir as coisas fazendo biquinho, oui.
O segundo, que será muito útil durante a epopéia, é um phrasebook da lonely planet em hindi, urdu & bengali. Hein?! Bem, como vou passar dois meses viajando pela India nada mais natural que saber algumas coisas básicas no idioma local. Claro que seria bem mais simples se o país não tivesse 18 línguas regionais principais, porém o hindi é falado por cerca de 30% das pessoas e pode ser compreendido em todo o território nacional enquanto o urdu é mais compreendido na região do Rajastão, ao norte.
Hindi e urdu são basicamente a mesma língua falada mas duas escritas distintas, ou seja, duas pessoas podem ir às compras e ao cinema juntas mas vão escrever cartas diferetes. Ambas são derivadas do sânscrito e suas maiores discrepâncias se dão no âmbito acadêmico e filosófico. Isso porque a maior parte do vocabulário usado nesse campo em hindi vem diretamente do sânscrito clássico e do urdo vem dos ancestrais sistemas de escrita arábico e persa.
Já o Bengali, que provavalmente não escutarei muito, é a língua oficial de Bangladesh e dos estados indianos de Tripura e Bengala Ocidental. É falado também pelas grandes comunidades indianas que vivem espalhados pela América do Norte, partes da Europa e Oriente Médio. Suas origens remontam ao Magadhi Prakrit, a língua oficial durante o reinado do grande imperador Asoka - entre 272 e 231 A.C.
Este exótico guia de conversação tem a divisão principal entre hindi/urdu e bengali e outras subdivisões que começam por uma introdução à gramática de cada língua, passando por pronúncia e frases básicas para rápida comunicação. À medida que você avança no guia, explora diferentes situações de viagem como acomodação, refeição, transporte, compras e algumas mais. Uma dessas situações que achei bem, digamos assim, peculiar, é a de viajantes mulheres. Pelo que entendi, a pessoa, no caso a garota, deve se vestir adequadamente - aqui leia-se cobrir ombros, tornozelos e em alguns casos a cabeça também - não retribuir olhares de homens e nem se engajar em debates que podem evoluir para um flerte ou outro diálogo mais íntimo. Caso retribua olhares ou tentativas de conversa, o homem pode intrerpretar isso como um sinal verde para novos tipos de interação.
Em todo caso, é bom saber onde parar e chamar a polícia em hindi: mayng pu*lis ko bu*laa*oong?!?
sábado, 11 de abril de 2009
Este aqui
Este aqui. Sempre achei que criar um blog seria a última coisa que faria na vida. Este aqui prova que estava errada. A verdade é que já passei boas horas na frente do monitor lendo blogs de amigos, conhecidos e/ou pessoas que admirava (e outras que não morria de tanto amor assim) - ou por mero exercício voyeurístico, não admitido, é claro.
Aham.
Resolvi criar este aqui para dividir notícias da viagem que farei - vou passar dois meses perambulando pela India - sozinha: eu e meus anjos da guarda. Até porque não sei se vou parar o tempo todo para mandar notícias, escrever mails ou scraps. Ah vá lá, quero mesmo criar este blog, reconheço que é muito bom poder ter esse espaço e dividir coisas. E não tô nem aí se não estou de acordo com a reforma ortográfica - uhuuuu.
Este aqui prova que os tempos mudaram dentro desta caixola que vos fala. Este aqui não quer parecer qualquer coisa, nem vai corresponder expectativas.
Agora com licença que vou ali encontrar o coelhinho da páscoa 70% cacau.
Ah quase esqueci: 'Yeh wala' é 'Este aqui' em hindi.
Aham.
Resolvi criar este aqui para dividir notícias da viagem que farei - vou passar dois meses perambulando pela India - sozinha: eu e meus anjos da guarda. Até porque não sei se vou parar o tempo todo para mandar notícias, escrever mails ou scraps. Ah vá lá, quero mesmo criar este blog, reconheço que é muito bom poder ter esse espaço e dividir coisas. E não tô nem aí se não estou de acordo com a reforma ortográfica - uhuuuu.
Este aqui prova que os tempos mudaram dentro desta caixola que vos fala. Este aqui não quer parecer qualquer coisa, nem vai corresponder expectativas.
Agora com licença que vou ali encontrar o coelhinho da páscoa 70% cacau.
Ah quase esqueci: 'Yeh wala' é 'Este aqui' em hindi.
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