Acho que nunca pensei tanto em Deus e em merda como nestes ultimos dois meses aqui na India. O que me motivou a fazer essa viagem foi principalmente o Yoga e a peregrinacao a locais sagrados - o resto foi acontecendo por consequencia.
Primeiro tive que acostumar com a merda de vaca pelas ruas, o cheiro de merda, a cinza feita com merda que os sadhus passam no corpo.
Depois vieram as latrinas indianas - que sao vasos sanitarios embutidos no chao e o contato com a merda (feito pela mao esquerda). Apesar de continuar usando papel higienico procuro cumprimentar as pessoas, comer e fazer tudo com a mao direita, pra entrar no clima e porque afinal sou destra.
Em seguida foi a minha propria merda - com a diarreia, ameba, caganeiras repentinas. O menor sinal de mudanca na consistencia, coloracao e cheiro ja me da verdadeiro pavor. Ainda bem que nao joguei fora os remedios e sais que sobraram.
Nao sei se eh por causa do calor seco e apocaliptico de 43 graus que voltei a sentir dor de barriga. Estou cuidando muito da alimentacao, voltei a escovar os dentes com agua mineral, desinfetar bem as maos e beber muito liquido.
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Antes de fazer as refeicoes costumo entoar mentalmente uma prece - eh uma passagem do Bhagavad Gita - aprendi com o Gopala no centro de Yoga e nunca mais esqueci. Dedico o alimento a Krisna sempre antes de comer - sera que ele tambem tem passado mal com piriri la nos reinos celestiais?
Isso tudo me faz lembrar de um trecho de "A insustentavel leveza do ser" - um dos livros que trouxe comigo na mochila:
"Quando era garoto e folheava o Velho Testamento para criancas, ilustrado com gravuras de Gustave Dore, via nele o Bom Deus em cima de uma nuvem. Era um velho senhor, tinha olhos, nariz, uma barba comprida e eu dizia comigo mesmo que, como ele tinha boca, devia comer. E se comia, devia ter tambem intestinos. Mas essa ideia logo me assustava, porque apesar de pertencer a uma familia pouco catolica, eu sentia que a ideia dos intestinos de Deus era sacrilega.
Sem o menor preparo teologico, espontaneamente a crianca que eu era entao ja compreendia, portanto, que existe incompatibilidade entre a merda e Deus e, consequentemente, percebia a fragilidade da tese fundamental da antropologia crista segundo a qual o homem foi criado a imagem de Deus. Das duas uma: ou o homem foi criado a imagem de Deus e entao Deus tem intestinos, ou Deus nao tem intestinos e o homem nao se parece com ele.
Os antigos gnosticos sentiam isso tao claramente quanto eu aos cinco anos. Para resolver esse maldito problema, Valentim, grao-mestre da gnose do seculo II, afirmava que Jesus 'comia, bebia, mas absolutamente nao defecava.'"
aiai, o melhor livro
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